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JI Memória - Quando ouvi minha voz pela primeira vez

  • Arquivo do autor - Rádio Difusora de Joinville, 1964, apresentando o programa "393 às sua ordens"(393 era o número do telefone da emissora)

Ary Silveira de Souza

Algumas folhas de papéis manuscritos colados nas paredes com poesias, a maioria transcritas de livros de J. G. de Araújo Jorge, davam um curioso aspecto a um dos quartos da pensão onde eu morava, na rua Presidente Faria, em Curitiba. Naquele fim de 1959. Então com 23 anos, eu era vendedor de laboratório farmacêutico e tinha a missão de ajudar na entrega de almanaques produzidos todos os anos pela indústria de medicamentos.

Equipada com um gravador e cornetas de som, a Kombi conduzida pelo motorista da empresa transmitia propaganda dos principais medicamentos produzidos pelo laboratório enquanto percorria as ruas entregando almanaques em farmácias e outros pontos estratégicos. Era um trabalho que durava cerca de 15 dias.

Era um fim de semana, o motorista havia viajado para Joinville, onde morava. Para evitar riscos, deixou gravador e microfone no meu quarto. Ao sentir a possibilidade de gravar uma poesia de J. G. de Araújo Jorge com a minha própria voz, não contive a tentação de fazer uso do equipamento.


Ligado o gravador, percorri o olhar pelas paredes procurando minha poesia preferida. Ao localizar "Os Versos que te Dou", acionei o dispositivo do gravador Grundig e iniciei a gravação.

Ouve os versos que te dou
Eu os fiz hoje que sinto o coração contente
Enquanto o teu amor for meu somente
Eu farei versos e serei feliz.
Ao final da interpretação, acionei o controle do equipamento movimentando os rolos em sentido contrário até a que fita magnética atingisse o ponto do início da gravação. Impossível descrever os momentos de emoção que senti ao ouvir pela primeira vez minha própria voz. Por uma fração de segundos, cheguei a pensar que a voz devia pertencer a outra pessoa que havia me antecedido na gravação da mesma poesia.

Aos poucos, fui me refazendo da surpresa até sentir-me à vontade para ouvir várias vezes a primeira gravação. Por achar agradável a sonoridade de minha voz, sentia-me como alguém que acabara de admirar sua própria imagem refletida pela primeira vez no espelho. Não sabia que havia acrescentado um novo valor à minha autoestima e uma nova opção para o meu futuro.

Como nos versos do poeta, permaneci "sozinho, sem ninguém para perturbar minha ventura". Senti vontade de ouvir minha voz interpretando outras poesias do mesmo autor.

Então gravei:

Eu hoje acordei triste,
Há certos dias em que sinto esta mesma sensação...
E não sei explicar qual a razão
Por que as mãos com que escrevo estão tão frias.
?Tal qual um passarinho após o primeiro voo, ganhei coragem e passei a ligar para programas de rádio, e não parei mais de interpretar poesias. Não sabia que o destino reservara para a minha voz missão bem mais realista do que a declamação de poemas.

Natal e fim de ano eram tempo para deixar o trabalho e o quarto da pensão por alguns dias, e voltar ao convívio da família, de volta ao Grêmio 25 de Julho e à Sorveteria Polar, pontos preferidos pela juventude de Joinville nos "anos dourados". (Do livro Memórias de um Repórter Joinvilense - 1º capítulo)


Ary Silveira de Souza - editor do JI Online




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